Quando me alertaram uma vez para tomar cuidado ao atravessar a rua não levei muito a sério. Sem olhar pros lados, ou calcular a velocidade exata com que os automóveis passavam por mim, respirei na mesma intensidade com que tomo um café em temperatura ambiente, e me lancei a caminhar naquele estranho asfalto cortado por traços iguais e amarelos.
Cheguei ao outro lado da rua. Não foi nada demais, qualquer um faria. No carro, um dos motoristas, distraído com a falta de tempo (tão comum nesses dias e que cada vez mais sobra menos), digitava no celular algumas desculpas de atraso pela reunião que estava por vir e iria lhe ocupar a tarde toda, que quase não viu a mutação do sinal de verde pra vermelho (afinal o amarelo é só pra um aviso óptico do que está por vir, porque ao psicológico não dá tempo de avisar). A força sobre o pedal direcionado à inércia do carro foi instantaneamente barulhenta. O asfalto, que já era estranho, ficou ainda mais evitado com marcas escuras de um pneu inexperiente. O susto do cara ao volante soou mais forte do que o espanto passageiro das pessoas pela rua ou do meu próprio. “Só faltava essa”, ele pensou. E desde então aprendi a olhar pros dois lados antes de atravessar a rua. Mas ao asfalto, me dou o luxo, ignoro mesmo, vivendo numa bolha alienante sobre as marcas profundas do que teria sido eu ficar no meio do caminho.
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