quinta-feira, 16 de julho de 2009

Eu queria me lembrar como é voar. Me pego pensando que nem nunca experimentei. Então como posso me lembrar de uma sensação vertiginosa banhada de alucinações se nem nunca me apresentei?

Sinto saudades dos períodos de guerra, onde os chefões mandavam e eu, obrigatoriamente, seguia sem contestar. Aprendi que nesse tempo era mais fácil de me conhecer do que agora. São tantos os questionamentos, são tantas as angústias regadas, que nessa exploração de respostas são poucos os que se salvam ilesos. Você mesmo, já saiu vivo, ou inteiro, de alguma dessas experiências?

Se voar fosse fácil não gastariam milhões em ferro, aço e inteligência em algo que vive caindo e explodindo por aí. Se continuar no alto fosse simples, Newton não teria tanto esforço em seguir discursos sobre a lei da gravidade.

De pouquinho em pouquinho chegamos perto da caverna do tesouro. A questão é: a vista lá de cima, será para o alto ou para o triste?

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Get in

Deixa ele ir.
Deixa o telefone tocar,
A secretária eletrônica atender.
Deixa ele insistir, contestar, querer, repetir.


Deixa a caixa de chocolate acabar.
Deixa o despertador tocar.
Deixa a caixa de entrada lotar.

Deixa a balança aumentar,
A chuva molhar,
E o tempo passar.


Deixa ele voltar,
Se arrepender, implorar, jogar rosas pelo chão.
Deixa ele questionar, duvidar, acertar.

Deixa o cabeleireiro mudar,
A roupa sujar,
A maquiagem borrar.


Deixa ele chegar,
Beijar devagar, abraçar e pedir pra ficar.

Deixa de tentar controlar,
Pára de impor, de acertar.
Deixa a obrigação de lado,
O sapato desamarrado e espera ele acordar.


Deixa o amanhã pra depois,
O passado de lado, e
O livro marcado.

Deixa a saudade apertar,
A carta chegar,
A comida esfriar, e
Sol levantar.


Deixa o vento mudar,
A liberdade durar, e
O beijo ficar.


PS: E beijo bom é aquele que fica.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ponte


Quando me alertaram uma vez para tomar cuidado ao atravessar a rua não levei muito a sério. Sem olhar pros lados, ou calcular a velocidade exata com que os automóveis passavam por mim, respirei na mesma intensidade com que tomo um café em temperatura ambiente, e me lancei a caminhar naquele estranho asfalto cortado por traços iguais e amarelos.


Cheguei ao outro lado da rua. Não foi nada demais, qualquer um faria. No carro, um dos motoristas, distraído com a falta de tempo (tão comum nesses dias e que cada vez mais sobra menos), digitava no celular algumas desculpas de atraso pela reunião que estava por vir e iria lhe ocupar a tarde toda, que quase não viu a mutação do sinal de verde pra vermelho (afinal o amarelo é só pra um aviso óptico do que está por vir, porque ao psicológico não dá tempo de avisar). A força sobre o pedal direcionado à inércia do carro foi instantaneamente barulhenta. O asfalto, que já era estranho, ficou ainda mais evitado com marcas escuras de um pneu inexperiente. O susto do cara ao volante soou mais forte do que o espanto passageiro das pessoas pela rua ou do meu próprio. “Só faltava essa”, ele pensou. E desde então aprendi a olhar pros dois lados antes de atravessar a rua. Mas ao asfalto, me dou o luxo, ignoro mesmo, vivendo numa bolha alienante sobre as marcas profundas do que teria sido eu ficar no meio do caminho.